para que não se repita

Pais de vítimas da Kiss pedem mais saídas de emergência em projeto do memorial

Pâmela Rubin Matge

Fotos: Gabriel Haesbaert (Diário)
Arquiteto que venceu o concurso (em pé, de camisa rosa) participou da assinatura do contrato em Santa Maria ontem

Na manhã do dia 27 de janeiro de 2013, Felipe Zene Motta, à época com 26 anos, acordou na casa onde mora, no Bairro Perdizes, em São Paulo, com os noticiários do Brasil exibindo uma tragédia sem precedentes. O jovem, no final da faculdade de Arquitetura, passou a conhecer a gaúcha Santa Maria pelo incêndio da boate Kiss. Da sala de casa, junto do pai engenheiro e da mãe arquiteta, percebeu imediatamente os erros estruturais daquele espaço que viria a deixar 242 pessoas sem vida. 

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Ontem, pouco mais de cinco anos depois, Felipe participava da assinatura do contrato e da cerimônia de premiação do concurso que escolheu o projeto de um memorial que pretende ressignificar o prédio onde funcionava a boate. Sua proposta foi a vencedora entre outras 121 de todo Brasil. Por isso, ele recebeu o prêmio de R$ 25 mil. O concurso foi aberto em 27 de janeiro deste ano.

- Eu nunca imaginei que faria um projeto e ganharia. Na época, lembro que achei terrível, que poderia ser comigo ou com um amigo meu. Foi um absurdo não ter saídas de emergência, iluminação, materiais adequados e, agora, a proposta (vencedora) é o oposto disso - salienta Felipe.

Os detalhes do futuro memorial foram explanados pelo arquiteto no auditório do Colégio Marista Santa Maria. Participaram da premiação representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria(AVTSM) e da prefeitura de Santa Maria.

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AJUSTES NO PROJETO
O arquiteto tem 120 dias para fazer os ajustes referentes a projetos hidráulicos, elétricos, Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), além de incluir sugestões dos pais de familiares de vítimas. O primeiro encontro entre o vencedor e a AVTSM ocorreu na noite de segunda-feira. Na manhã de ontem, ele também entrou no prédio onde funcionava a boate, na Rua dos Andradas. 

- Tudo conspirou. Ele é um jovem, assim como eram nosso filhos, por isso, é como se fosse da família. O jardim redondo, sem quinas e cantos, representa um verdadeiro abraço, que tanto gostamos - elogiou Ligiane Righi da Silva, uma das mães que integram a AVTSM.

O próximo passo, segundo o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Rio Grande do Sul (IAB-RS), Rafael dos Passos, é a execução da obra, que depende da Justiça, já que um dos objetivos é levar o júri do Caso Kiss para dentro da boate:

- Temos o impasse da demolição e gostaríamos de agilidade tanto do julgamento quanto da construção do memorial. A partir daí, definiremos a forma de captação de recursos. A obra está estimada em cerca de R$ 2,5 milhões. Podemos tentar apoio da iniciativa privada ou da Lei Rouanet.

NOVIDADE
A proposta traz um muro de concreto e tijolos na fachada, até então com uma única saída. A austeridade representa o luto e propõe uma imagem de respeito e reflexão de quem passar pelo local. A novidade, a pedido dos familiares de vítimas, será a readaptação da estrutura, que deve receber outras saídas de emergência. Ao atravessar o muro, projeta-se um espaço de luz e fluidez, com um jardim circular de flores. À sua volta, 242 pilares de madeira, cada um representando uma vítima da tragédia. 

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Há, ainda, três salas e, ao fundo, um auditório, composto por um palco central e plateia em lados opostos. Uma sala multiuso de caráter cultural abrigará acervos em formato de exposição permanente multimídia. Do outro lado, um local que abrigará a sede da associação, áreas de reunião e atividades coletivas.

O memorial está distribuído em um único pavimento, o que viabiliza a acessibilidade aos espaços com vidros transparentes, e torna mais econômica a construção e a manutenção, já que não são necessários elevadores.

"Não adianta estar dentro da lei, se as pessoas não se sentirem confortáveis"

Aos 31 anos, esse é o primeiro prêmio individual conquistado por Felipe Zene Motta. Ele tem graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e mestrado na California College of the Arts. Segundo o arquiteto, esse trabalho chega para fomentar um comprometimento e o exercício constante de empatia. Confira a entrevista: 

Diário de Santa Maria - É seu o projeto do memorial da maior tragédia do Estado e da segunda maior do Brasil. Como concebe essa responsabilidade?
Felipe Zene Motta - O resultado, que acompanhei ao vivo pela internet, foi muito emocionante. É algo que mexeu comigo e com muita gente, pois é uma ferida aberta. À medida que desenvolvi o projeto, o tempo foi passando, e eu fui desenvolvendo um exercício de empatia, com muita responsabilidade. Por isso, o respeito na fachada e, dentro, a transparência, a ventilação, leveza, as flores, um jardim em círculo que dê condições de igualdade, que, quando se cruzarem os olhares, um possa ver o outro. 

Diário - Você é de outro Estado, nunca havia vindo para Santa Maria. Como foi desenvolver esse projeto de longe e como foi a recepção dos familiares das vítimas?
Felipe - Foi ótimo, me senti muito à vontade. Eles são uma grande família. Desenvolvi o projeto com três objetivos. Passado, para respeitar o que aconteceu , com o compromisso para que nunca se esqueça. Presente, para trazer conforto aos familiares e amigos. E futuro, com o papel de difundir conhecimento, sendo exemplo de segurança e respeito, para que não se repita. 

Diário - A propósito, a questão da segurança gerou polêmica na primeira explanação do projeto, já que só há uma saída de emergência.
Felipe - Vou adaptar outras saídas auxiliares. O projeto já atende à legislação, mas o mínimo de segurança não é suficiente. Entendo que não adianta estar em dia com a lei, se as pessoas não se sentirem confortáveis. 

Diário - Você, inclusive, entrou no prédio da antiga boate. Pôde perceber as falhas?
Felipe - Sim. É algo chocante. A tragédia não foi acidente, não foi eventualidade. 



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